Um telefonema pra Toni Morrison
Um dia desses, lendo uma postagem da escritora Cristiane Sobral, me deparei com essa citação da infinita Toni Morrison: “Não há tempo para o desespero, nem para a autopiedade, nem para o silêncio, nem para o medo. Nós falamos, escrevemos, fazemos linguagem. É assim que as civilizações se curam”.
Na fonte original, publicada em 2015, o trecho representa a fala de um amigo da Toni, numa prosa por telefone, contestando o anúncio de “tempos sombrios” após a reeleição de G. W. Bush, em 2004, não por acaso, o título traduzido é “Não há lugar para autopiedade, não há espaço para medo”.
Tenho sacado a cada dia que quando expresso um sentimento (que sacodem nosso jeito de ser e estar) aciono o magnetismo da chegada, e a probabilidade de tornar algo real é grande. O tempo e o espaço são cíclicos e multidimensionais, o passado nos revisita quando nossa energia insiste na tensão e no automatismo, por isso um texto de antes parece dizer sobre o agora e a situação presente tem gosto de novela da tarde.
Quando sinto medo, ativo a criatividade e minha consciência magnetiza esta projeção e tende a atrair situações, pessoas, cenários e condições que justifiquem este medo. A consciência é um dispositivo inteligente e codifica sentimento como criação, criação como desejo e desejo como algo a ser concretizado. Medo e desejo são faces da mesma moeda.
Esta visão quântica é espelhada no “pensou-sentiu-criou”, pra justificar a realidade como efeito. Na análise do medo, muitas vezes não interpretamos como uma criação, mas justificamos por algo externo, ou seja, sinto isto por causa daquilo e dá-lhe repeat-please na vida, autopiedade é mato neste caso.
Sem dúvida, são muitos estímulos, posso assumir a situação de vítima e culpar o exterior, mas quero saber o que tenho consentido na criação da minha realidade. Quem manja de semiótica e arquétipos sabe bem destes estímulos, usados em publicidade e em informações colocadas estrategicamente em diversas mídias. Há sempre uma cor padrão pra sentir o desejo de comprar, o ritmo ideal pra hipnotizar a atenção, o arquétipo certo pra sentir insegurança, a imagem mais atrativa pra causar frustração, sem contar o subliminar que não captamos visualmente, mas é assimilado pela mente.
Em muitos casos, se não ficar atento e cancelar essa emanação nem percebo esse diálogo, mas tudo é codificado pela consciência e provoca no corpo as emoções e substâncias sugeridas. Um exemplo é assistir os programas de tragédias nas manhãs e fins de tarde e perceber como a insegurança passa a rondar a realidade, propagando (ainda mais) vivências deste tipo.
O medo, em parte, é cultivado porque nos remete a um estado de sobrevivência, de alerta, e isto é ancestral, nossos antepassados sempre estiveram expostos a sentir tensão, medo e pessimismo, com foco na pior situação, a presença de algo novo representava risco de vida e gerou um dispositivo cerebral que nos provoca a esperar inconscientemente o pior das coisas.
Este dispositivo é acionado pelas partes consideradas mais primitivas do cérebro, chamadas de reptiliano e límbico, responsáveis pelo lado instintivo e emocional que são equilibrados quando acionamos o neocórtex cerebral, que nos favorece a lucidez do pensamento livre, da reflexão e da criação consciente de causa e efeito.
Algumas terapias holísticas indicam que o ato de agradecer e acolher a própria sombra aciona o neocórtex e se antecipa em realidades mais positivas. Situação simples: Acordo e, mesmo no caos, posso agradecer pelo ar que eu respiro, abundante mesmo em cenários de escassez, assim favoreço uma melhor fruição pra sequência do dia, mas é uma escolha, também posso focar “em mais um dia de luta”, antecipando a guerra.
Mesmo assim, se o pensamento seguir vibrando mal pelo costume da negatividade, vale acolher as sombras, reconhecer que existem, equilibrar o tempo de reação e resistência, antes de se entregar e dar um gancho no próprio queixo. Aqui respiração é fundamento.
As sombras são aspectos indesejáveis e reprimidos do meu “ego”, normalmente não toleradas em outra pessoa, por ser um aspecto possível do meu “eu”. Quando uma sombra é acolhida favorece que eu entre em fase com a minha melhor versão, com meu “eu” multidimensional, escolhendo qual terreno seguir dependendo da ribanceira.
Como disse o citado amigo da escritora Toni Morrison “eu sei que o mundo está ferido e sangrando, e embora seja importante não ignorar sua dor, também é crítico se recusar a sucumbir à sua malevolência. Como o fracasso, o caos contém informações que podem levar ao conhecimento, até a sabedoria”. Minar sabedoria em meio ao caos é uma ação de acolhimento das sombras.
Esses motes me interessam. Meu radinho vive sintonizando a frequência dos “tempos sombrios” e de que é preciso lutar e resistir “em tempos como este”, por isso quero saber, pra além da tensão e do automático, qual é minha responsa nessa criação? Qual projeção eu materializei pra acessar essa realidade? Externamente sei o que acontece, não há alienação, mas ando preocupado pra além do ruído, atento com a prosa interior, com o segredo, com o oculto, pra fazer uso da linguagem sem ter como única opção reprisar a mesma novela de sempre.