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Hora de cessar a batalha

                                                                         

“O eco da primeira palavra

fica sempre no coração”.

Provérbio africano


 

“Se você deixar o coração bater sem medo...”

Nuvem cigana

Ronaldo Bastos e Lô Borges


 


 

                 Já tá manjado nos estudos de linguagem que em todo território de herança colonizada há uma dominação eficiente estabelecida pelo código do idioma, essa é uma das principais imposições que rege este contexto.

 

                 Se não houvesse essa lógica, no Brasil a gente teria como idioma oficial uma língua recheada de pretuguês (como ensina Lélia Gonzalez) e caboclage, que aparecem no nosso jeito de falá e se entendê (num é pra isso que a língua serve?)

 

            Na educação tradicional, além de definir apenas um jeito exemplar de falar, ler e escrever, a gente aprende que primeiro vem à formação celular, depois os tecidos, os órgãos, entre esses o cérebro e do cérebro mina o pensamento e logo a consciência da realidade. Assim, a matéria é o estopim da realidade. Nesta lógica a gente não cria nada antes, mas é condicionado pela matéria.

 

                 Na perspectiva da física quântica a sinuca de bico é outra. Nesta premissa toda palavra (dita ou escrita) é comando de pensamento, ou seja, sua consciência é matriz da existência. A consciência emite ondas, ondas geram partículas e dão origem as células e a todas as matérias, corpos e estruturas com formas e possibilidades infinitas. Neste caso a consciência é o estopim da realidade, logo quem tem consciência é criador da própria realidade, quer você saiba ou não.

 

               A arte é um lugar possível pra experimentar infinitas possibilidades de criação. Na literatura podemos criar absurdos, verdades possíveis, onde humano voa, bicho fala, tartaruga ganha corrida de lebre, criança nasce adulto e adulto morre criança, dorme gente e acorda barata e por aí vai. Eis a arte da palavra.

 

                  A língua imposta pela colonização, também é expressa pela palavra, mas na maioria das vezes impõe rigidez, nos ensina a tensão do certo e do errado e imprime frases e crenças limitantes. E se a questão é a palavra, criar uma nova realidade parece fácil, né? Mas como diz o poeta “depende de quem devora”.

 

                  Por aqui é mais comum ouvir provérbios que fazem a gente desconfiar da facilidade, pois “quando a esmola é demais o santo desconfia”, e como aprendi como o Prof. Horácio Frazão (ativista quântico) no seu livro “Vida Infinita”, a crença na dificuldade constante é tão forte que quando vivemos algum fluxo de facilidade, a gente tende a sabotar a graça e emanar dúvida, não pode tá tudo bem, isso não me pertence, num é assim?

 

                  Pena que o nosso idioma não incorporou oficialmente os saberes ancestrais de África, pois ao invés de desconfiar da facilidade, a gente teria na ponta da língua provérbios de expansão infinita que reconhece a força criadora da consciência, onde “quando não existe inimigo no interior, o inimigo no exterior não pode te machucar.”

 

                 Palavra é encruzilhada, quem tem inimigo interior cria e materializa, ou seja, atrai a possibilidade do inimigo exterior existir, e quem tem inimigo pressupõe tá sempre na luta. Por isso, na maioria das vezes você pergunta pro chegado como tão as coisas é comum receber um “tamô aê na luta de sempre”. Outro provérbio africano diz: “Se sua boca virar faca cortará seus lábios.”

 

                Luta é uma palavra criadora (como todas as outras), um comando poderoso de pensamento, que faz da vida um contínuo campo de batalhas, mas acima de tudo a vida é um lugar de infinitas de possibilidades, basta criar a que você quiser. E se ainda assim a vida continuar como sinônimo de luta, capaz da realidade dar pala prum monte de percepção desse tipo todo o tempo.

 

                    Por exemplo, quando ressignificamos um vocabulário racista percebemos que a realidade das expressões muda, senão não teria motivo de dizer “pessoa escravizada” (colocada na condição) ao invés de "pessoa escrava" (condição natural), de dizer “difamação da imagem” (depreciar) ao invés de “denegrir a imagem” (deixar negra), ou mesmo, substituir "mercado negro" por "mercado ilícito". Essas e outras substituições recriam o imaginário negativo sobre a palavra e a pessoa negra, pois esta palavra mudou a semântica ao longo da história pra ser positiva.

 

                   Mas se a conversa for justificar o porquê disso ou daquilo nem vale continuar esse texto, senão ficaremos o dia todo tensionando a causa de cada situação e não vamos dar atenção ao poder criador. A bola da vez hoje é a causa externa, o sofro isso por causa daquilo, porque historicamente isso, porque ele fez aquilo, porque tal coisa me atrapalha e me oprime. Justo! Mas o que importa nessa prosa é como crio e dou uma moral digna pra minha consciência infinita, é como materializo o que eu penso e bem entendo e uso o comando das palavras pra dar salto um positivo na realidade.

 

                    O Prof. Horácio Frazão indica a mudança de alguns termos, num conceito chamado Semântica Criacional, onde a palavra que representa sentidos (pensamentos e sensações) limitantes pode ser substituída pra criar a predisposição de um estado mais criativo e proativo. Os termos são: eu quero, eu vou tentar, estou com um problema, estou na luta e eu me esforço.

 

                     A sugestão é substituir o “eu quero” pelo “eu posso”, pois quem quer é sinal que não tem e por isso tá criando a falta de algo, mas quem pode já tem o que deseja a disposição. “Eu vou vivenciar” deve ser dito ao invés de “eu vou tentar”, pois a tentativa não demonstra certeza da possibilidade e abre espaço pra negação. Vou dizer “eu atuo” ao invés de “eu luto”, pra vida deixar de ser um constante sofrimento, uma eterna batalha, e ser um campo de ação, assim não “tenho um problema” e sim “um desafio”, amenizando o peso psicológico da dificuldade (que pode marcar culpa, medo, vitimização e resistência no inconsciente) e assumindo a possibilidade criativa de autossuperação. Assim, deixo de “me esforçar” pra qualquer fim e passo a “me dedicar” a criação consciente. Levezinho e simples assim...

 

                    Sem bula de remédio e fórmula mágica da paz, a vibração do mundão é densa mesmo e a tentativa de inversão é diária e contínua, morô? O lance é um experimento criativo com a linguagem, se tú reconhece essa parada como dominação, a sugestão é mudar o uso do verbo no cotidiano e vê no que dá, é só um convite pra dessenzalar a linguagem, descolonizar a prosa interior e projetar a exterior de um modo diferente. Bóra lá? Se não doer o intestino, o estômago e nem o coração (lugares do batuque emocional), sinal que a cachola tá boa e que pensar mais leve não faz mal a ninguém, pelo contrário, cria um bem que só.

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