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Como escrevi "Amanhã quero ser vento"

            Comecei a escrever “Amanhã quero ser vento” em 2009 quando resolvi participar da antologia de contos Cadernos Negros vol.32. Fiquei durante alguns dias escrevendo um conto pra este livro e intitulei de “Orvalho da Manhã”, ainda muito influenciado pelas leituras dos livros “A Canção de Solomon” de Toni Morrison e “A cor púrpura” de Alice Walker.

             Quando enviei o conto pra seleção da antologia recebi um comentário anônimo, dizendo que aquela história pedia continuidade, como o início de um romance. Aquilo ficou na minha cabeça durante meses. A antologia foi publicada e, no ano seguinte, me encorajei em seguir com aquela história.

            Como nunca havia escrito um romance adotei alguns métodos pra auxiliar no projeto. Coloquei foco em ler muito e mergulhei na obra das primeiras inspirações, e fui ler outros da Toni, como “Amada” e “O olho mais azul” e depois do livro escrito li “Voltar para casa”, e da Alice li um de crônicas.

         Também fui buscar exemplos de formas narrativas em Conceição Evaristo, Guimarães Rosa, Jorge Amado e principalmente no texto dos angolanos Pepetela, Boaventura Cardoso, Ondjaki e dos moçambicanos Paulina Chiziane, Mia Couto e Ungulani Ba Ka Khosa, que estudei com atenção dobrada nos programas de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa no curso de Letras.

            Outro método foi dedicar as manhãs, depois de deixar a Yayá na escola, pra ficar ouvindo baixinho as músicas anunciadas na epígrafe do livro e ficar escrevendo algumas páginas. Ficava feliz com meia página escrita e segui esse ritmo até as primeiras cinquenta páginas. Isso não é uma receita, foi a forma que fluiu, cada obra tem um jeito e cada pessoa encontra seu ritmo.

           Pra exercitar mais as prosas passei a escrever algumas crônicas e publicar com certa regularidade. Os estudos da teoria literária revelaram que o assombro do romance ser o texto mais difícil era contestável, pois o romance é o gênero mais aberto pra possibilidades de construção, junção de estilos, gêneros e experimentos narrativos.

           Em 2013, fiquei imerso na crônica, tanto lendo como escrevendo, principalmente sobre futebol, que gerou em 2014 o lançamento do meu terceiro livro “Crônicas de um Peladeiro”. Algumas pessoas me perguntavam “mas e o romance, cê não tá escrevendo um?”, pois é, era o tempo de descanso do texto. Até a publicação do livro de crônicas quase não toquei no romance, fiquei pesquisando muito sobre futebol e li apenas um romance com esse tema, “O drible” do Sergio Rodrigues e gostei bastante.

          A partir de 2015, passei a participar de alguns eventos acadêmicos, principalmente com o GELBEC (Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea) da UNB e quando apresentava meus livros a pergunta era fatal, “você não pensa em escrever um romance?”, entendi que assim como o mercado editorial, a crítica literária se interessa mais pelos livros de prosa, principalmente os romances.

          Esse choque de realidades criou um diálogo interessante, os pesquisadores e críticos perceberam que naquele período muita escrita surgiu na literatura brasileira pela poesia e pela prosa curta, principalmente a partir da cena de SP, de poesia falada e saraus. Mas, ao mesmo tempo, reconheci a importância de despertar o romance do descanso e voltar a escrever este livro.

        Retomei leituras estratégicas, na prosa com Mario Benedetti (“A borra do café”, “Montevideanos” e “Correio do Tempo”), James Baldwin (“Giovanni” e “Numa terra estranha”), Chimamanda Adichie (“Hibisco Roxo”, “Meio Sol Amarelo”, “Americanah” e “A coisa a volta do teu pescoço”) e José Saramago (“Ensaio sobre a cegueira”) e na prosa poética com Virginia Woolf (o sol e o peixe) e Clarice Lispector (Água viva), lembro que li esses com muito gosto.

          Depois, resolvi enviar o que já havia escrito pra leitura de outras pessoas, pra dar um retorno crítico e ajudar no caminho da prosa. Isto foi fundamental, pra apontar a veredas possíveis do livro e também as fragilidades.

          Assim feito, retomei a escrita, fiz uma definição de estrutura, dos diálogos, da narrativa, do enredo e da forma em geral e eis que a escrita revelou um outro tempo. Dessa vez foi a história que me conduziu. Já havia lido relato de vários escritores e escritoras a respeito disto, dos personagens tomarem corpo e a escrita ser apenas um canal daquilo que o livro pede. No começo não botei fé, mas depois deixei o fluxo seguir, tive paciência em dar um pião com os personagens no pé do ouvido, nas leituras e na minha atenção e só pude me entregar.

         Cheguei até a me encontrar com as personagens do livro. Como numa vez em que esperava uma amiga pra almoçar ali no centro de SP e uma moça se aproximou, puxou conversa e começou a contar sua história, como a história de Manandí, ela era a personagem principal de “Amanhã quero ser vento”.

          Aliás não é à toa que este é o título da obra, pois assim como o enredo e a sequência do livro não foi pré-determinada, o título menos ainda. Na verdade o título surgiu numa crônica, no final de 2016, publicada no Jornal Brasil de Fato, falando das mazelas anunciadas, mas firmando na última linha que o “aprendizado maior é ser vento, chuva e semear futuros dentro si” e foi assim que “Amanhã quero ser vento” foi batizado.

         O restante da história quem leu conhece. Depois de alguns contatos e da espera por uma proposta de publicação recebi um convite da 11 Editora. Lapidamos a edição durante o ano de 2017 e no segundo semestre de 2018 o livro nasceu. Lançamos em várias cidades e quebradinhas do país, em universidades, feiras, saraus e livrarias, recebi um retorno massa de alguns leitores e leitoras e no fim do ano passado fomos indicados como melhor livro do ano, pelo escritor Allan da Rosa, no Suplemento Pernambuco. Honra e alegria!

          Agora comemoramos o aniversário da publicação na querência de manter o livro aceso na leitura e no comentário das pessoas, pois foi escrito pra isto, pra ventar aonde for digno desta brisa chegar. Agradeço a quem leu, agradeço há quem tem interesse, boa leitura e bons ventos pra gente! Depois me diga como foi seu encontro com Manandí, Matias, DonaNina, DonaAparecida e cia. Só agradeço!

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