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Geraç@o crista-baixa

 

Artigo reproduzido pelo site do jornal Brasil de Fato no link - http://brasildefato.com.br/node/32139

 

O fato é que esse bombardeio cibernético, de uns 15 anos pra cá, está deixando a gente cada vez mais corcunda. E é aí que mora o diabo.

 

27/05/2015

 

De Michel Yakini

 

Quando você faz um comentário no blog da poeta e camaradinha Samanta Biotti surge a seguinte pergunta na tela: “Já olhou pro céu hoje?”. Quase como um “na paz, sai da internet e vai tomar um ar, camará”. Só que na nóia do dedinho e da tecla frenética, creio que essa sugestão passou batida várias vezes.

 

Até aí, tudo bem. Desprezar a pergunta de um blog não é pecado, mas atiça a preocupação da poeta sobre o desprezo que a vida recebe por conta dos zapis, feices e uai-fais. Por isso, não olhar pro céu, ou simplesmente não olhar pra frente, é uma parada presente e preocupante.

 

Há exemplos manjados, do tipo: ter que desviar do cara que atravessa no vermelho, preocupado com plim do biri-biri; um motorista dando um salve pra outro “Sai do zap-zapmané, tu vai causar um acidente”; ou a mulecada baforando um narguilé, ignorando a presença e estalado no tédio dos bytes. Isso sem citar a “solidãoacompanhada.com” nos butecos, restaurantes e na condução.

 

Mas a sociologia desse desprezo e dessa“solidão” não é o que mais me chama a atenção. O fato é que esse bombardeio cibernético, de uns 15 anos pra cá, está deixando a gente cada vez mais corcunda. E é aí que mora o diabo.

 

Crista-baixa por crista-baixa, virar páginas ou fritar na telinha dá o mesmo efeito visual. A diferença é que ao ler, vire-e-mexe a gente levanta a cabeça, degusta o imaginário, contempla a lentidão, sem essa de passar o dedo veloz na secura por uma imagem.

 

Outra coisa, quando chegamos ao destino final, fechamos o livro e colocamos na velha mochila de carregar versos, pois é hora de ler o mundo. Já na hipnose da telinha, tamo perito em andar clicando sem pausa pro respiro.

A crista-baixa, que atende ao transe imediato da roleta-russa hitec, conduz a gente a olhar pra baixo,com a coluna quebrada, ombro encolhido, na linha da obediência, sem olhar o céu e as pessoas em volta.

 

Pra gente que vive pensando e pensando como fazer pra brotar auto-estima em nossa negritude e na ilusão cansada dos nossos pares, viver a geração crista-baixa é se lascar do primeiro ao quinto sem massagem, é tentar levantar a cabeça equilibrando a bigorna da rede mundial.

 

Parece um caso perdido. Pois na boa, quem pode frente ao poderoso e devastador pau de selfie, a febre da vez, o totem de 2015, o símbolo fálico dessa antenada, o único motivo virtual que faz a gente levantar a cabeça e contemplar sua grandeza?

 

Já não basta bons educadores, artistas, militantes, ações afirmativas, formações e reuniões, é preciso discutir também a postura, a educação física, para entender como ter uma coluna digna, contra a maré desse post corcunda impregnado em nosso corpo, esse cancro magnético que a gente curte e compartilha sem nem ver o que é e no que vai dar...

 

E enquanto a coluna entorta a sugestão persiste: Já olhou pro céu hoje?

 

*Michel Yakini é escritor e produtor cultural. Seu site é www.michelyakini.com.

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