Renatinho da Casa-Grande
Crônica reproduzida pelo site do jornal Brasil de Fato no link - http://brasildefato.com.br/node/32773
Discussão no jornalismo esportivo está envolta em racismo: daqui a pouco, não vão se lembrar de mais nada, pois vivemos uma democracia racial, não é Renatinho da Casa-Grande?
Dedicado ao blogueiro Maurício Barros da ESPN
26/08/2015
Por Michel Yakini
Na crônica “Imperdoável”, publicada no último 14 de julho, em seu blog, Renato Maurício Prado (O Globo/Fox Sports), narra seu encontro com Bagá, torcedor indignado com a lavada que seu querido Flamengo levou do Corinthians, pedindo a saída do técnico Cristóvão Borges, batizado pelo personagem de “Mourinho do Pelourinho”.
Cristóvão Borges rebateu, citando críticas com conotações racistas sobre seu trabalho, e eis que Renato Maurício Prado, o Renatinho da Casa-Grande, vestiu a carapuça, mas retrucou que isso não era racismo, tinha a ver com ruindade.
Se o cerco apertar, o Renatinho da Casa-Grande pode jogar a culpa no Bagá e colocar na conta da ficção, ou se defender como algumas pálidas opiniões: “vejam, é o negro que tem preconceito contra o próprio negro”. Quase um “não sou eu, é a torcida do Flamengo que diz”.
Na crônica, Bagá (seria um diminutivo de “bagaço”?) é exaltado como “sacrossanto” e “gigante de ébano” por expressar indiretamente a opinião do autor, que também o chama de “crioulo”, e destaca sua “bocarra” e sua “beiçola” que escorre uma “baba bovina”.
Talvez o Renatinho Casa-Grande saiba, ou finge não saber, que entre outros sinônimos, “crioulo” é uma raça de cavalos, o que só confirma a desumanização dirigida a nós negros desde a escravatura por poderosos e influentes, seja na cruz, no carpete, na literatura ou no futebol.
A “bocarra” e a “beiçola” que escorre uma “baba bovina” é uma forma de inferiorizar o diferente, assim como os nazistas faziam com as charges estereotipadas sobre o nariz do povo judeu na Alemanha. Qualquer semelhança não é mera coincidência, aliás isso está manjado faz tempo.
Sobre o “Mourinho do Pelourinho”, além do fato de Cristóvão ser técnico, como o português José Mourinho, e ter nascido em Salvador, recordei as origens das palavras “Mouro”, nome dado aos negros muçulmanos, do latim “maure” que significa negro, ou seja, Mourinho = Neguinho, e “Pelourinho”, instrumento ou local de tortura usado na escravidão pra “dar o exemplo” a quem desafiasse a ordem vigente.
Mas Renatinho da Casa-Grande garante que animalizar um personagem negro para insultar outro “Neguinho do Pelourinho”, não é racismo, é só porque Cristóvão Borges é ruim no que faz. Segundo ele, no bairro do Pelourinho, negros e brancos convivem muito bem hoje em dia, na hora pensei: deixa a negritude de Salvador ouvir isso.
Renatinho, como um bom sinhôzinho da crônica esportiva, sabe que ninguém vai lhe contestar, afinal, ele é 'amigo do rei'. E quando Cristóvão for demitido, todos vão cegar diante do técnico Oswaldo de Oliveira, o queridinho do Bagá, ou seria do Renatinho, e não vão se lembrar de mais nada, pois vivemos uma democracia racial, e o problema é só o mérito, não é Renatinho da Casa-Grande?
Enfim, se tratando de Bagá (um simples torcedor rubro-negro) ou de Cristóvão Borges (comandante do maior time do Brasil), é certo que não há posição pra evitar que esse ácido social, chamado racismo, seja cuspido aos montes por quem tem o poder de exercê-lo, infelizmente.
Michel Yakini é escritor e produtor cultural