Diário de Havana: ¿Dónde están mis chocolates?
Crônica reproduzida pelo site do jornal Brasil de Fato no link - http://brasildefato.com.br/node/32375
03/07/2015
Por Michel Yakini
Aluguei uma casa de renta de uma família muito atenciosa. Meu quarto ficava no mesmo corredor onde estavam instalados um casal: uma italiana e um cubano. Nos vimos poucas vezes, mas quando cruzamos no corredor, me pareceram ser simpáticos.
Dividíamos uma geladeira, onde colocava água, para suportar o calor, e uma botella de ron. O restante dos mantimentos era do casal ítalo-cubano. Havia mirado uns potes de chocolates no corredor e na geladeira, sem crise.
No quinto dia, percebi que alguém tentou girar a maçaneta da minha porta, mas como a dona da renta havia me dito que "acá no pasá nada", levantei a voz, perguntei quem era e como ninguém respondeu voltei a dormir.
Acordei e me preparei para fazer uma caminhada no Malecón, como estava fazendo todas as manhãs, antes de ir trabalhar. Tomei um banho, me troquei e fui até a geladeira, pegar água fria.
Mal saí do quarto, me deparei com a italiana toda descabelada e com um fio de baba escorrendo pelo canto da boca, me olhou raivosa com sua roxas olheiras e perguntou: ¿Dónde están mis chocolates? Voy llamar la policia!
Discutimos em portunhol, italiano e espanhol, até que não dei mais atenção e saí andando. Na discussão soube que ela tentou abrir minha porta para tirar satisfação.
Conversei com a dona da casa, e ela disse que a italiana havia ligado no celular dela várias vezes na madrugada. Resolvi caminhar depois que a anfitriã afirmou: "Tranquilo, no pasa nada, yo me voy resolver".
Na volta me disseram que alguém arrombou a porta do corredor, abriu a geladeira e entre um rum, comida e outras coisas que havia na geladeira, e de todos os possíveis pertences dos quartos o ratero se seduziu pelo chocolate italiano.
A dona da casa me pediu desculpas, enquanto seu marido tentava arrumar o trinco da porta arrombada, e me disse "Tranquilo, no pasa nada, pero la italiana, ham...”.
Saí para rua aliviado, sem a tensão de que na dúvida europeia, o ratero só podia ser yo, o brasileiro com cara de criollo. Na calle topei com o casal, traziam um charuto, um cartão postal e um sorriso falso. Quando me avistaram, correram em minha direção.
"Desculpa-me, desculpa-me, como puedo piensar eso".
Disse que tinha ido até meu local de trabalho, no Museu Casa de África, mas não me encontrou. "Pero, mira, desculpa-me, nosotros también estamos buscando la Mama África". E me entregou o charuto e o postal. Fiquei feito uma estátua egípcia e eles picaram a mula sorridentes.
Antes a italiana me disse que já que sabia que não era eu que havia pegado os chocolates, e só podia ter sido o primo do su novio afro-cubano. E seu namorado ainda balançou a cabeça afirmando.
Me recompus e quando virei a primeira esquina, cuspi no chão e joguei seus "regalos" no lixo.
Michel Yakini é escritor e produtor cultural